sábado, 20 de dezembro de 2008

Juiz de Haia defende punição para tortura

Professor da UnB, Cançado Trindade diz que tortura é crime contra a vida, portanto imprescritível

Regina Bandeira
Da Secretaria de Comunicação da UnB

Prestes a se mudar para a Holanda, onde a partir de fevereiro assumirá assento na Corte Internacional de Justiça, a chamada Corte de Haia, o ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos e professor de Direito Internacional da UnB, Antônio Augusto Cançado Trindade, de 61 anos, defendeu a criação de uma espécide de tribunal da verdade para o julgamento dos crimes ocorridos no governo militar.

"Já expus minha opinião sobre isso: não há anistia para tortura.; a auto-anistia não pode abarcar um crime contra a humanidade", afirmou Cançado Trindade, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, nesta quinta-feira, 18, sobre o recente debate travado entre o Ministério da Justiça e da Defesa em relação a aplicação da Lei da Anistia. "Não entendo esse imbróglio; para mim, a questão é cristalina", complementa.

Em visita de cortesia ao reitor da UnB, José Geraldo de Souza, nesta sexta, 19, o jurista avaliou as chances do Brasil conquistar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. “Temos toda a chance de ocuparmos a vaga latino-americana, atualmente ocupada pelo Panamá”, afirmou Cançado Trindade.

Eleito com um número expressivo de votos – 163 dos 192 países-membros da Assembléia Geral da ONU, o jurista brasileiro também recebeu 14 dos 15 votos do Conselho de Segurança da ONU, dos quais apenas os Estados Unidos se abstiveram.

Para José Geraldo, especialista em Direitos Humanos, a presença de Cançado Trindade na corte internacional fortalece a candidatura brasileira, além de ser um orgulho para a universidade. “Ela marca a densidade do pensamento jurídico brasileiro na Assembléia das Nações Unidas”, afirmou.

Durante encontro com o reitor, o jurista reiterou que pretende continuar defendendo os direitos humanos em Haia e criticou as novas regras impostas por países do hemisfério norte criminalizando a migração não documentada. “Os mesmos países que se beneficiaram das fronteiras abertas estão, agora, violando princípios dos direitos humanos”, disse.

O jurista também defendeu maior diálogo da Justiça com outras áreas do conhecimento. “Nunca me contentei apenas com documentos”, disse o juiz, ao defender a participação de peritos, psicólogos, sociólogos, antropólogos e das próprias vítimas nos julgamentos. “São informações fundamentais para avaliarmos o dano moral de pessoas em casos como os massacres ocorridos recentemente em alguns países latino-americanos”, argumentou o jurista.

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos por duas vezes, Cançado Trindade revelou que sua gestão sempre foi voltada para o fortalecimento da participação de acusados e vitimados no tribunal. Nesse sentido, o juiz reformou o regulamento da Corte em 2000, permitindo o acesso direto dos indivíduos à corte e a participação dos envolvidos em todas as etapas do procedimento até o julgamento.

“Até então, as pessoas tinham de se apresentar através de um órgão distinto, a Comissão Interamericana, sediada em Washington, que fazia a triagem das denúncias, dos argumentos e das provas”, explica Cançado Trindade.

JUSTIÇA - Devotado aos direitos humanos, o jurista revelou o sentimento de satisfação e enriquecimento encontrado nos tribunais internacionais. “A defesa dos direitos humanos me permitiu entender que nossos protegidos são nossos protetores – eles nos ajudam a dar sentido à própria existência”, concluiu.

-Antônio Augusto Cançado Trindade foi eleito juiz da Corte Internacional de Justiça no dia 6 de novembro de 2008. Ph.D. (Cambridge) em Direito Internacional; Juiz e Ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Professor Titular da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco; Ex-Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil; Membro Titular do Institut de Droit International e do Curatorium da Academia de Direito Internacional da Haia; Membro das Academias Mineira e Brasileira de Letras Jurídicas. O jurista tomará posse no dia 6 de fevereiro em Haia, na Holanda, mas o primeiro julgamento do ano está marcado para um mês depois.
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Fonte: http://www.secom.unb.br/unbagencia/unbagencia.php?id=1044

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Os 40 anos do AI-5


"Aquele que não conhece a história está fadado a repetir os erros do passado."

Na noite do dia 13 de dezembro de 1968, o governo militar do presidente Costa e Silva editou o ato institucional número 5, que entrou para a história da infâmia da ditadura militar no Brasil como o AI-5. Naquele dia, os militares davam a última facada (de baioneta) na já moribunda democracia brasileira. Os poucos direitos e liberdades civis que ainda restavam ao povo brasileiro foram por fim suspensos, dando início aos anos de ferro da ditadura militar, que agora assumia sua verdadeira face totalitária.

Ao mesmo tempo em que se comemoram os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 20 anos da nossa Constituição Federal, completam-se também os 40 anos desse, que pode ser considerado o maior ato de terrorismo de Estado da história brasileira. Hoje, mais de vinte anos após o fim do regime militar, ainda não se sabe ao certo o número de vítimas do regime. Até hoje, militares queimam arquivos e escondem os vestígios de seus crimes. Sinal claro de que as contas com a sociedade até hoje não foram acertadas.

Os dados oficiais constam que milhares foram presos e torturados e centenas foram mortos pelos mais de vinte anos de ditadura. Não se tratam apenas de "perigosos terroristas subversivos" ou de "comunistas que comiam criancinhas", mas sim de pais, filhos, irmãos e amigos que tiveram seus direitos violados, muitos deles deixando este mundo sem ao menos um enterro digno. É óbvio que nem todos os contabilizados eram 100% inocentes, mas isto não justifica o tremendo abuso de poder da época. Se o verdadeiro objetivo do AI-5 era combater a guerrilha armada do país, pode-se dizer que seus perpetuadores foram, no mínimo, bastante ineficientes. Basta lembrar de algumas vítimas do regime que nunca fizeram mais do que protestar de forma pacífica contra a ditadura. É o caso de Honestino Guimarães, líder estudantil que foi preso durante invasão à UnB e desapareceu sem deixar rastros, e de Vladmir Herzog, jornalista morto por militares quando ia a uma delegacia simplesmente para prestar um depoimento.

Nada justifica a violência dos militares e sua expressão máxima, o AI-5. A justificativa daqueles que o editaram, de que era necessário "mandar a consciência às favas" e utilizar todos os meios necessários para combater a guerrilha que (no seu discurso) ameaçava instaurar uma ditadura comunista no Brasil não passa de mero discurso reticente para se perpetuar no poder. E o velho discurso da Guerra Fria, do "mundo dividido em dois hemisférios"? Pura ignorância (ou imagem de ignorância) política! Esta história que os radicais da ditadura tentam vender desde a edição do infame AI-5, de que o Brasil estava numa guerra e que era necessário empregar meios de guerra para combater os "perigosos terroristas e comunistas" não passa de uma falácia, de uma propaganda enganosa! Somente os tolos e os alienados acreditaram (e ainda hoje acreditam) que algumas centenas de guerrilheiros sem nenhum tipo de treinamento militar e reclusos no meio da Floresta Amazônica tinham alguma capacidade de tomar o poder. O verdadeiro motivo de tamanho abuso de poder como o AI-5 era a percepção do povo brasileiro de que a ditadura não era a salvação da democracia e sim sua lenta execução. O fato da sociedade não mais apoiar o governo militar e exigir liberdade e democracia fez os militares da linha-dura retirarem sua máscara de salvadores da pátria e mostrar suas verdadeiras faces de totalitários inescrupulosos e sedentos de poder. Se houve realmente terroristas no Brasil nos anos 60, estes eram os altos membros do governo militar, que com seu golpe de mestre pomposamente chamado de "ato institucional", instauraram no Brasil um Estado Terrorista, que nada mais sabe fazer além de usar a violência e o terror para atingir seus objetivos.

Quando a sociedade exigiu um acerto de contas com o governo, a solução dada foi completamente "à brasileira". Uma anistia, tanto a torturados quando a torturadores, que simplesmente livrou a cara dos carrascos e de seus comandantes que até hoje estão com as mãos sujas de sangue dos inocentes desaparecidos e mortos em nome da segurança nacional (mais uma piada sem graça do governo da época). A verdade é que, para muitos brasileiros, não há anistia até que seja feita justiça. Para muitos, a decisão dos governantes de 68 deixou cicatrizes expostas até hoje, para as quais simplesmente não foi dada explicação.

Que possamos nos lembrar de nossos erros para não cometê-los novamente.

sábado, 1 de novembro de 2008

Eleições presidenciais nos EUA: Uma análise crítica


De um lado, o republicano John McCain, que defende boa parte das políticas do desastroso presidente George W. Bush, incluindo a permanência das desgastadas forças de ocupação no atoleiro do Iraque. Do outro lado, o democrata Barack Obama, o primeiro negro a concorrer à presidência dos EUA e cuja palavra de ordem da campanha é "mudança".

No próximo dia 4, os eleitores norte-americanos farão sua escolha: o conservadorismo retrógrado de um ou a possibilidade de renovação de outro. Suas escolhas decidirão o futuro não só de suas vidas, mas também de nossas e do resto do mundo.

Devido à importância global da decisão dos eleitores nos EUA, analistas do mundo inteiro estão mostrando suas opiniões e preferências acerca dos candidatos. Enquanto a maioria dos observadores minimamente sensatos apóia a proposta de política externa moderada de Obama, setores da "intelectualidade" brasileira insistem em apoiar a candidatura politicamente atrasada de McCain, baseados apenas na promessa vazia deste candidato de abrir o mercado americano para o etanol brasileiro (como se os republicanos fossem simplesmente abrir mão do protecionismo).

Se as grandes potências cumprissem suas promessas para com o Brasil, já estaríamos no Conselho de Segurança da ONU e teríamos uma posição muito melhor no comércio mundial (mas este não é o assunto em debate aqui). É preciso lembrar que o que está em jogo é muito mais do que um simples acordo bilateral de comércio.

O simples fato de McCain ser um veterano e ex-prisioneiro de guerra não o faz um político capaz. É preciso muito mais que algumas cicatrizes e histórias para se fazer um governo decente. O discurso de McCain é, no mínimo, incoerente com sua própria história pessoal. Justamente ele, que sofreu os males do cárcere em uma guerra perdida no Vietnã, hoje defende tratamentos "não ortodoxos" (vulgo tortura e execução sumárias) aos acusados de terrorismo e ainda afirma que, se depender dele, "os EUA permanecerão no Iraque pelos próximos cem anos". É esta mentalidade hipócrita e medieval que alguns acham que deve governar a maior potência do planeta nos próximos quatro anos. Como se a estupidez de Bush não fosse o suficiente.

É obvio que Obama não mudará completamente as bases políticas dos EUA se for eleito, mas sem dúvida ao menos representará uma mudança para melhor na política externa americana. O presidente tem o poder de enviar soldados à guerra, assim como o poder de trazê-los de volta. É isso que o mundo espera de Obama se ele assumir a presidência e, ao que tudo indica, é isso que ele fará se as pesquisas de opinião se concretizarem. Talvez não seja o ideal, mas não restam dúvidas de que Barack Obama é o melhor dos dois para governar os EUA no próximo governo. Estamos falando do bem dos próprios americanos e também de bilhões de pessoas no resto do mundo.

Se a vitória das eleições couber à Barack Obama, haverá esperanças de que os EUA ao menos desviem sua política da linha neo-conservadora de política externa agressiva e belicista, completo desrespeito ao meio ambiente e política econômica ineficiente. Espera-se que os norte-americanos tenham o bom senso e a sensatez de tentar corrigir os erros dos últimos oito anos. Mas se eles insistirem no erro, estejamos preparados para o pior...

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Eleições presidenciais nos EUA


Na próxima terça-feira, dia 4 de novembro, as escolhas de milhões de pessoas decidirão o futuro do mundo inteiro nos próximos anos. Esta é a realidade da dimensão alcançada pela eleição do presidente dos EUA. Sua importância é conhecida, mas não se pode cair no senso comum dos extremismos da mudança radical ou da completa permanência estática.
Não se pode acreditar que se trata de um duelo entre o bem e mal encarnados ou que não importa o vencedor as coisas não se alterarão. Há muitas variáveis em jogo. Esta eleição em especial traz ainda mais aspectos a serem considerados. Sim, se trata do fato de um dos candidatos ser negro. Devemos lembrar que, em uma sociedade altamente conservadora como a americana, em que todos os presidentes (sem exceção) foram homens brancos e protestantes, um negro de ascendência estrangeira representa uma mudança de pensamento e atitude consideráveis.

É obvio que alguns aspectos permanecerão os mesmos. Mesmo se McCain for vitorioso, os EUA manterão seu protecionismo (inclusive em relação ao etanol brasileiro). Se houver vitória de Obama os EUA manterão certo belicismo inerente de sua política externa. O que realmente muda é o grau em que estes aspectos permanecerão ou mudarão, o que depende em boa parte do vencedor das eleições.
Não há dúvida de que, independente de quem tiver a presidência em 2009, o próximo presidente dos EUA terá desafios descomunais ao assumir o país após o desastroso governo Bush. Vários serão os obstáculos ao novo presidente, entre eles a crise econômica que assola o mundo e a já bem conhecida guerra no Iraque. Aqui as decisões do próximo presidente serão fundamentais.
A estratégia adotada para combater a crise na economia americana terá impactos profundos no mundo inteiro pelos próximos anos. Os erros e acertos do próximo presidente e sua equipe podem determinar boa parte dos acontecimentos chaves da economia mundial.
Talvez o mais importante assunto imediato da política externa do próximo governo será a situação do Iraque. Os EUA permanecerão com uma ocupação desgastada em um conflito sem esperanças? As tropas americanas permanecerão no país apenas para terem seu contingente diminuído gradualmente enquanto milhares de civis inocentes morrem no fogo cruzado ou o futuro presidente terá bom senso e trará seus soldados de volta para casa? Tudo depende das decisões do próximo presidente.
O futuro é bastante incerto, em especial agora. As vidas e o futuro de boa parte do mundo serão decididos nesta fatídica terça feira. E não conta somente a decisão dos eleitores americanos, mas também de outros "atores externos". Não se deve esquecer da eleição de 1968, há exatos 40 anos quando os EUA também estavam atolados em uma guerra inútil e um jovem senador propunha mudanças, algumas consideradas "radicais demais" por alguns setores (alguns deles com armas na mão). Os eleitores decidiram pela mudança, e alguns decidiram pela violência, assassinando Bob Kennedy, irmão do famoso JFK assassinado em 63.
Será esse o destino desta eleição? As pesquisas de opinião se confirmarão e Obama será o vitorioso? E se for, ele sobreviverá para assumir o cargo? Ou a maldição dos irmãos Kennedy cairá sobre Obama como uma ironia sombria do destino?
Somente o tempo dirá...

sábado, 4 de outubro de 2008

A crise fiscal do capitalismo - Uma segunda opinião

Entrevista do professor Carlos Pio, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB), à UnB Agência sobre a atual crise financeira:
http://www.secom.unb.br/entrevistas/entrevista.php?id=49

É sempre bom ouvir a opinião de pessoas entendidas do assunto, como o professor Pio, sem dúvida um grande especialista em economia política internacional. Entretanto, informações técnicas bastante construtivas à parte, ainda há a presença de forte ideologia liberal em seu discurso.

"Não dá para questionar o liberalismo por uma crise como essa, porque não há alternativa melhor para gerar riqueza e incluir gente."

Com todo o respeito à posição política do professor Pio, sou obrigado a discordar veementemente de sua afirmação acima. Não há provas empíricas que comprovem essa boa ação do sistema neoliberal. Embora o sistema neoliberal seja capaz de gerar grandes riquezas, ainda é incapaz de distribuir tal riqueza de maneira adequada. Como explicar que na Rússia, um dos países que mais abriu sua economia após o fim da URSS, várias pessoas vivem em condição econômica muito pior que nos tempos do regime socialista?

Talvez esta crise em específico não seja a gota d'água, mas sua simples eclosão mostra o quão voláteis são as bases da ideologia neoliberal e o quanto o sistema desenvolvido por seus seguidores é inseguro e capaz de (literalmente) evaporar grandes riquezas e afundar países inteiros em grandes crises. O neoliberalismo provavelmente sobreviverá a esse baque, mas não restam dúvidas de que sua estrutura caduca se encontra em fase terminal.


sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A crise fiscal do capitalismo


Na década de 80, novos chefes de governo no mundo capitalista começaram a pregar um novo tipo de economia política totalmente diferente, com idéias de “Estado mínimo” e “livre mercado”, que diziam eles impulsionaria o desenvolvimento econômico e seria a solução para os problemas do capitalismo. Foi assim que Margaret Thatcher no Reino Unido, Ronald Reagan nos EUA e Helmunt Kohl na Alemanha propagaram o Neoliberalismo.

Mais de 20 anos se passaram e o Neoliberalismo ganhou status de verdade absoluta, quase como um credo sagrado incontestável. Seus críticos são sempre taxados de “comunistas retrógrados que ainda vivem na URSS”. O Neoliberalismo comportou-se quase como um político em campanha, prometendo desenvolvimento para ricos e pobres, diminuição das desigualdades livre acesso a todo tipo de bens de consumo para todos. Tudo graças ao Mercado, uma entidade quase divina de tão poderosa e perfeita. Trata-se do ápice da utopia capitalista.

Os acontecimentos das últimas semanas têm mostrado o quão utópica é essa idéia. O tal idolatrado livre mercado entrou em parafuso, e levou as maiores bolsas de valores do mundo a despencarem vertiginosamente, causando altas de preços, enormes perdas financeiras e altas inflacionárias (o maior dos castigos para os membros da seita neoliberal). E agora, quando o capitalismo financeiro está no fundo do posso quem vem ao seu socorro? Seu antes arquiinimigo a quem o neoliberalismo pregava o (quase) desaparecimento: o Estado.

Mais uma vez o Neoliberalismo se comporta como um político, pois prometeu mundos e fundos (literalmente) e o que deu ao mundo? Uma crise de grandes proporções. Muito antes de a febre neoliberal tomar conta do mundo nos anos 80, um cientista político americano chamado James O’Connor já previa o desastre da economia capitalista*. Analisando a crise econômica que assolava os EUA na década de 70, O’Connor apresentou a formula da elaboração da crise fiscal capitalista: no capitalismo há a socialização dos custos, mas os lucros continuam a ser apropriados pelo capital privado. Tal descompasso só pode levar a uma crise fiscal. Outra contribuição de O’Connor foi desmascarar a maior das mentiras do liberalismo econômico: que o Estado é um peso morto e deve ser dissociado da economia. O’Connor mostrou que, ao contrário, o Estado e o maior consumidor na economia capitalista.

O’Connor escreveu sua obra na década de 70 e hoje, em 2008, suas idéias se mostram mais verdadeiras que nunca. Era óbvio que o sistema capitalista financeiro caminhava para tal desastre. Nos 20 anos que se passaram desde a era Thatcher/Reagan as disparidades entre ricos e pobres apenas aumentaram, a dicotomia entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos tornou-se mais evidente, e vários bens de consumo fundamentais (principalmente os alimentos) têm se tornado inacessíveis para a grandes parcelas da população pobre, graças à especulação financeira, “coincidentemente” uma das principais causas da crise atual.

Esta crise pela qual o mundo está passando serve de lição. Não se pode confiar no capitalismo. Trata-se de um sistema de soma-zero, para que um ganhe alguém tem que perder. O abismo entre aqueles que custeiam o desenvolvimento com a socialização das despesas e aqueles se enriquecem com a apropriação privada dos lucros tornou-se tão grande que aparece todo dia nos jornais e televisões: enormes perdas financeiras e desespero no mundo todo.

A prova última da grande mentira que é o Neoliberalismo vem justamente em seu momento de salvação. O Neoliberalismo há anos repugna a intervenção estatal na economia e critica os gastos do Estado em áreas que deveriam ser do setor privado, mas ao mesmo tempo condena qualquer tipo de reivindicação trabalhista, invocando a atuação da “mão forte do Estado” para defender o patrimônio privado contra os ataques terroristas de “sindicalistas retrógrados de esquerda”. Esse mesmo Neoliberalismo agora depende do maior Estado da terra, o Estado norte-americano, para ser retirado da própria cova antes que seja enterrado. Na última segunda-feira, a Câmara dos Deputados dos EUA recusou um mega pacote de ajuda financeira elaborado pela Casa Branca para salvar os principais bancos privados (que constituem os verdadeiros pilares do sistema financeiro neoliberal) justamente por uma questão ideológica. Como um político norte-americano, que há 20 anos defende a não-intervenção estatal na economia pregando a livre atuação do mercado como solução para todos os problemas de seu eleitor, vai votar a favor de uma proposta que é totalmente oposta a sua ideologia? Seria admitir o próprio erro. O Senado já aprovou o programa, com algumas alterações, e agora o envia de volta Câmara para que os deputados decidam o futuro da economia mundial. Será que os políticos norte-americanos reconhecerão que por 20 anos enganaram seus eleitores? Será que eles admitirão o próprio erro e deixarão seu orgulho de lado para fazer o que é necessário (na visão dos neoliberais)?O que importa é que a única salvação para o sistema capitalista neoliberal é o investimento de quase US$1 trilhão (quase o valor do PIB do Brasil, 10ª maior economia do mundo) por parte do Estado. Tudo isso só serve para mostrar a verdadeira “promessa de político” que é o ideário neoliberal.

*O’CONNOR, James. EUA: A Crise Fiscal do Estado Capitalista.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Estados Unidos: a nova Roma


“Todo império perecerá.” Jean Baptiste Duroselle

Este é o título de um dos clássicos franceses de história das relações internacionais. Dificilmente podem-se fazer afirmações tão certas em tais áreas de estudo, mas essa é uma regra que é sempre válida, quase uma lei. Desde que os seres humanos constituíram-se em sociedades e nações, alguns, obcecados pelo poder e a riqueza, viram-se no direito de se impor aos seus vizinhos, estabelecer sua crença como verdade e eliminar aqueles que discordassem. Essa é a lógica dos impérios. Mas, como diz a lei da gravidade: “tudo que sobe, tem que descer”. Quem um dia é senhor, no outro se torna escravo. O que em uma época é um império, na outra se torna colônia.
Assim aconteceu com a esplendorosa Europa, que por séculos foi tida como centro do mundo, mas que permitiu que sua glória se extinguisse em duas guerras apocalípticas de grandes proporções, tornando-se por quase meio século uma espécie de cabo-de-guerra entre EUA e URSS. A própria URSS, que já desfrutou de influência e poderes globais, hoje não passa de uma memória de uma utopia degenerada. E assim, um dia, talvez não tão distante, acontecerá com os Estados Unidos.
Estudiosos atualmente debatem a caracterização do sistema internacional Pós-guerra Fria (caracterizado pela famosa “ordem bipolar”, a dualidade entre EUA e URSS). Será a nova ordem mundial multipolar, unipolar, ou o quê? Enquanto que no campo econômico percebem-se múltiplas contestações à hegemonia norte-americana, como a ascensão da China e da união Européia como novos pólos econômicos, é inegável a completa hegemonia dos EUA no campo político-militar. Com o fim da URSS, não há ninguém no horizonte dos EUA que possa se contrapor à sua força titânica.
Em vários aspectos, os norte-americanos existem para e da guerra. A guerra está em suas próprias origens, em sua cultura. Os insurgentes colonos britânicos na América fizeram sua independência por meio de uma guerra com sua antiga metrópole. Depois, a nova nação independente construiu (ou melhor, expandiu) seu hoje imenso território à base de dinheiro e sangue, comprando as terras dos europeus e tomando à força àquelas de mexicanos e índios nativos. Os heróis norte-americanos são, em geral, militares de alta patente, que viveram suas vidas ás custas da morte de outrem. A economia americana vive das guerras. O governo de Washington gasta bilhões de dólares com armas todos os anos, desde munições de pistolas à mísseis intercontinentais que levam ogivas nucleares. Quando estão em paz, os EUA enchem seus depósitos. Quando estes ficam cheios, eles precisam de guerras para esvaziá-los. Esta é a lógica do capitalismo de guerra dos EUA.
Desde que se firmaram como potência no meio internacional após a Primeira Guerra Mundial, os EUA se envolveram direta ou indiretamente em praticamente todas as guerras que ocorreram. Quem vive de guerras, precisa sempre de inimigos. Na Segunda Guerra Mundial os americanos viram o mal personificado na figura do nazismo alemão. Quando este foi derrotado, voltaram seus olhos para o socialismo soviético, seu antigo aliado contra o nazismo. Por meio século a política externa norte-americana foi desenvolvida com base na retórica de “defender o mundo livre contra a ameaça do comunismo soviético”, defesa essa que foi feita com base de financiamentos de ditaduras totalitárias nos vários continentes e em intervenções diretas em cantos esquecidos do mundo.
Com o fim da URSS e da Guerra Fria, os EUA perderam o rumo em sua política externa. Para desempenharem seu papel de paladinos da justiça e guerreiros da liberdade, eles precisavam de um vilão a quem sem contrapor. Mas com o fim do socialismo e sem nenhum país forte o suficiente para enfrentar os americanos, contra quem seria feita a nova cruzada?
A resposta foi encontrada dez anos após o fim da Guerra Fria e de permanência de “paz”. Em um golpe de sorte (ou uma tacada de mestre, pois não se sabe até onde vai a verdade dos fatos*) os norte-americanos conseguiram o que queriam e o que precisavam. Quando na manhã de 11 de setembro de 2001, atentados ao World Trade Center em Nova Iorque e ao Pentágono em Washington mudaram a geopolítica mundial e inauguraram a verdadeira ordem mundial Pós-guerra Fria. Supostamente perpetrados por terroristas radicais islâmicos treinados no Afeganistão e liderados por Osama Bin Laden, os famosos atentados de 11 de setembro mostraram ao mundo que os EUA não são uma fortaleza impenetrável, e deram respaldo ao anteriormente impopular presidente George W. Bush de inaugurar uma nova fase da política externa.
Mais uma vez tomando para si o cargo de “defensores do mundo livre”, os EUA voltaram a fazer o que fazem melhor fora de suas fronteiras: espalhar violência e medo nos vários cantos do mundo, violar soberanias internacionais e enfileirar seus adversários políticos em um paredão de fuzilamento global.
Assim foi que os EUA invadiram o Afeganistão, afirmando estar à procura do inimigo público número um da humanidade, que estaria escondido em distantes complexos de cavernas nas montanhas. E assim os EUA, no auge de seu autoritarismo, passaram por cima da opinião pública global e da própria Assembléia Geral da ONU para invadir o Iraque e depor o temível ditador sanguinário Saddan Hussein (que um dia fora aliado importante de Washington contra os aiatolás do Irã) que supostamente desenvolvia armas químicas, as quais nunca foram encontradas.
extraindo petre anda sobre a ta que hoje anda sobre a terrantes, tudo em defesa da liberdade e da democracia. ado an a como ve É assim que a administração Bush inova ao decretar, de forma totalmente autoritária o patriot act (ato patriota), que garante fortes poderes ao executivo e permite a qualquer autoridade americana violar os direitos civis de um cidadão, garantidos pela sua tão idolatrada constituição, com base simplismente em "fortes suspeitas".
Saddan foi enforcado por ter usado armas químicas contra centenas de curdos, mas o que aconteceu com os dirigentes políticos e militares americanos que jogaram duas bombas atômicas em cidades japonesas no fim da Segunda Guerra, matando centenas de milhares de civis e comprometendo várias gerações futuras com os efeitos da radiação? Entraram para a história como “heróis”.
Neste exato momento soldados americanos estão invadindo casas, estuprando mulheres e matando civis inocentes, tudo em defesa da liberdade e da democracia. Se há um inimigo público número um, seu nome é George W. Bush, sem sombra de dúvida o maior criminoso de guerra que hoje anda sobre a Terra, extraindo petróleo e demais recursos de países miseráveis afundados em guerras civis e bebendo da caveira de seus inimigos. É assim que os EUA cumprem sua função histórica: perpetrar guerras e conflitos sobre países fracos com base em retóricas políticas hipócritas e atropelar qualquer um que se levante a frente de seus interesses, seja em distantes países do Oriente Médio ou dentro de suas próprias fronteiras. Tudo o que foi aqui exposto mostra a verdade sobre este exemplo de tirania e imperialismo. Muito longe do própio ideal hipócrita de "lar dos bravos, terra dos livres" e "defensores da liberdade e da democracia", os EUA mostram que são verdadeiramente tiranos covardes, opressores implacáveis e ditadores exemplares. Assim como os soviéticos e nazistas a quem tanto se contraporam no passado, os EUA demonstram de todas as maneiras possíveis que não passam de um Estado totalitário degenerado pela riqueza e poder acumulados, um império em ruínas que recusa-se a aceitar a própria decadência.

*Pessoalmente tenho sérias dúvidas sobre a versão oficial dos fatos sobre o 11/09, mas não vou me aprofundar neste assunto aqui.