sábado, 20 de dezembro de 2008

Juiz de Haia defende punição para tortura

Professor da UnB, Cançado Trindade diz que tortura é crime contra a vida, portanto imprescritível

Regina Bandeira
Da Secretaria de Comunicação da UnB

Prestes a se mudar para a Holanda, onde a partir de fevereiro assumirá assento na Corte Internacional de Justiça, a chamada Corte de Haia, o ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos e professor de Direito Internacional da UnB, Antônio Augusto Cançado Trindade, de 61 anos, defendeu a criação de uma espécide de tribunal da verdade para o julgamento dos crimes ocorridos no governo militar.

"Já expus minha opinião sobre isso: não há anistia para tortura.; a auto-anistia não pode abarcar um crime contra a humanidade", afirmou Cançado Trindade, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, nesta quinta-feira, 18, sobre o recente debate travado entre o Ministério da Justiça e da Defesa em relação a aplicação da Lei da Anistia. "Não entendo esse imbróglio; para mim, a questão é cristalina", complementa.

Em visita de cortesia ao reitor da UnB, José Geraldo de Souza, nesta sexta, 19, o jurista avaliou as chances do Brasil conquistar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. “Temos toda a chance de ocuparmos a vaga latino-americana, atualmente ocupada pelo Panamá”, afirmou Cançado Trindade.

Eleito com um número expressivo de votos – 163 dos 192 países-membros da Assembléia Geral da ONU, o jurista brasileiro também recebeu 14 dos 15 votos do Conselho de Segurança da ONU, dos quais apenas os Estados Unidos se abstiveram.

Para José Geraldo, especialista em Direitos Humanos, a presença de Cançado Trindade na corte internacional fortalece a candidatura brasileira, além de ser um orgulho para a universidade. “Ela marca a densidade do pensamento jurídico brasileiro na Assembléia das Nações Unidas”, afirmou.

Durante encontro com o reitor, o jurista reiterou que pretende continuar defendendo os direitos humanos em Haia e criticou as novas regras impostas por países do hemisfério norte criminalizando a migração não documentada. “Os mesmos países que se beneficiaram das fronteiras abertas estão, agora, violando princípios dos direitos humanos”, disse.

O jurista também defendeu maior diálogo da Justiça com outras áreas do conhecimento. “Nunca me contentei apenas com documentos”, disse o juiz, ao defender a participação de peritos, psicólogos, sociólogos, antropólogos e das próprias vítimas nos julgamentos. “São informações fundamentais para avaliarmos o dano moral de pessoas em casos como os massacres ocorridos recentemente em alguns países latino-americanos”, argumentou o jurista.

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos por duas vezes, Cançado Trindade revelou que sua gestão sempre foi voltada para o fortalecimento da participação de acusados e vitimados no tribunal. Nesse sentido, o juiz reformou o regulamento da Corte em 2000, permitindo o acesso direto dos indivíduos à corte e a participação dos envolvidos em todas as etapas do procedimento até o julgamento.

“Até então, as pessoas tinham de se apresentar através de um órgão distinto, a Comissão Interamericana, sediada em Washington, que fazia a triagem das denúncias, dos argumentos e das provas”, explica Cançado Trindade.

JUSTIÇA - Devotado aos direitos humanos, o jurista revelou o sentimento de satisfação e enriquecimento encontrado nos tribunais internacionais. “A defesa dos direitos humanos me permitiu entender que nossos protegidos são nossos protetores – eles nos ajudam a dar sentido à própria existência”, concluiu.

-Antônio Augusto Cançado Trindade foi eleito juiz da Corte Internacional de Justiça no dia 6 de novembro de 2008. Ph.D. (Cambridge) em Direito Internacional; Juiz e Ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Professor Titular da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco; Ex-Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil; Membro Titular do Institut de Droit International e do Curatorium da Academia de Direito Internacional da Haia; Membro das Academias Mineira e Brasileira de Letras Jurídicas. O jurista tomará posse no dia 6 de fevereiro em Haia, na Holanda, mas o primeiro julgamento do ano está marcado para um mês depois.
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Fonte: http://www.secom.unb.br/unbagencia/unbagencia.php?id=1044

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Os 40 anos do AI-5


"Aquele que não conhece a história está fadado a repetir os erros do passado."

Na noite do dia 13 de dezembro de 1968, o governo militar do presidente Costa e Silva editou o ato institucional número 5, que entrou para a história da infâmia da ditadura militar no Brasil como o AI-5. Naquele dia, os militares davam a última facada (de baioneta) na já moribunda democracia brasileira. Os poucos direitos e liberdades civis que ainda restavam ao povo brasileiro foram por fim suspensos, dando início aos anos de ferro da ditadura militar, que agora assumia sua verdadeira face totalitária.

Ao mesmo tempo em que se comemoram os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 20 anos da nossa Constituição Federal, completam-se também os 40 anos desse, que pode ser considerado o maior ato de terrorismo de Estado da história brasileira. Hoje, mais de vinte anos após o fim do regime militar, ainda não se sabe ao certo o número de vítimas do regime. Até hoje, militares queimam arquivos e escondem os vestígios de seus crimes. Sinal claro de que as contas com a sociedade até hoje não foram acertadas.

Os dados oficiais constam que milhares foram presos e torturados e centenas foram mortos pelos mais de vinte anos de ditadura. Não se tratam apenas de "perigosos terroristas subversivos" ou de "comunistas que comiam criancinhas", mas sim de pais, filhos, irmãos e amigos que tiveram seus direitos violados, muitos deles deixando este mundo sem ao menos um enterro digno. É óbvio que nem todos os contabilizados eram 100% inocentes, mas isto não justifica o tremendo abuso de poder da época. Se o verdadeiro objetivo do AI-5 era combater a guerrilha armada do país, pode-se dizer que seus perpetuadores foram, no mínimo, bastante ineficientes. Basta lembrar de algumas vítimas do regime que nunca fizeram mais do que protestar de forma pacífica contra a ditadura. É o caso de Honestino Guimarães, líder estudantil que foi preso durante invasão à UnB e desapareceu sem deixar rastros, e de Vladmir Herzog, jornalista morto por militares quando ia a uma delegacia simplesmente para prestar um depoimento.

Nada justifica a violência dos militares e sua expressão máxima, o AI-5. A justificativa daqueles que o editaram, de que era necessário "mandar a consciência às favas" e utilizar todos os meios necessários para combater a guerrilha que (no seu discurso) ameaçava instaurar uma ditadura comunista no Brasil não passa de mero discurso reticente para se perpetuar no poder. E o velho discurso da Guerra Fria, do "mundo dividido em dois hemisférios"? Pura ignorância (ou imagem de ignorância) política! Esta história que os radicais da ditadura tentam vender desde a edição do infame AI-5, de que o Brasil estava numa guerra e que era necessário empregar meios de guerra para combater os "perigosos terroristas e comunistas" não passa de uma falácia, de uma propaganda enganosa! Somente os tolos e os alienados acreditaram (e ainda hoje acreditam) que algumas centenas de guerrilheiros sem nenhum tipo de treinamento militar e reclusos no meio da Floresta Amazônica tinham alguma capacidade de tomar o poder. O verdadeiro motivo de tamanho abuso de poder como o AI-5 era a percepção do povo brasileiro de que a ditadura não era a salvação da democracia e sim sua lenta execução. O fato da sociedade não mais apoiar o governo militar e exigir liberdade e democracia fez os militares da linha-dura retirarem sua máscara de salvadores da pátria e mostrar suas verdadeiras faces de totalitários inescrupulosos e sedentos de poder. Se houve realmente terroristas no Brasil nos anos 60, estes eram os altos membros do governo militar, que com seu golpe de mestre pomposamente chamado de "ato institucional", instauraram no Brasil um Estado Terrorista, que nada mais sabe fazer além de usar a violência e o terror para atingir seus objetivos.

Quando a sociedade exigiu um acerto de contas com o governo, a solução dada foi completamente "à brasileira". Uma anistia, tanto a torturados quando a torturadores, que simplesmente livrou a cara dos carrascos e de seus comandantes que até hoje estão com as mãos sujas de sangue dos inocentes desaparecidos e mortos em nome da segurança nacional (mais uma piada sem graça do governo da época). A verdade é que, para muitos brasileiros, não há anistia até que seja feita justiça. Para muitos, a decisão dos governantes de 68 deixou cicatrizes expostas até hoje, para as quais simplesmente não foi dada explicação.

Que possamos nos lembrar de nossos erros para não cometê-los novamente.