29 de agosto de 2008, sexta-feira. Realiza-se nesse dia um dos eventos da “semana da anistia política” na Universidade de Brasília (UnB), 29 anos após a Lei da Anistia e 40 anos após a primeira (e pior) das 8 invasões militares à UnB.
29 de agosto de 1968, quinta-feira. Eram 10 horas da manhã quando 50 carros de polícia fecharam as ruas de acesso ao campus e invadiram a universidade. Seu objetivo era a captura de 7 estudantes “subversivos”. 500 estudantes ficaram horas detidos em uma quadra de esportes, sujeitos aos maus tratos do militares, um estudante foi baleado na cabeça, 50 foram levados aos porões, entre eles Honestino Guimarães, o único entre os 7 procurados. Dois dias depois, o deputado Márcio Moreira Alves discursa no Congresso contra a invasão. O presidente Artur da Costa e Silva pede a casacão do deputado, o Congresso nega, o governo edita o Ato Institucional Número 5 (AI-5) e inaugura os anos de ferro da ditadura militar.
Esta é a história de um dos períodos mais negros e trágicos da história brasileira, período que deixou marcas na sociedade até hoje. Para alguns, o dia 29 de agosto de 1968 foi um dia de glória e vitória contra os “perigosos comunistas subversivos”. Para muitos, foi um dia de tragédia.
De 31 de março de 1964, quando os militares tomaram o poder, a 15 de janeiro de 1985 quando o colégio eleitoral escolheu Tancredo Neves como primeiro presidente civil pós-ditadura, milhares de pessoas foram presas, torturadas e mortas pelos militares. Mesmo vivendo um regime democrático há anos, a ditadura militar ainda permeia o passado do povo brasileiro, como um demônio adormecido a ser exorcizado.
Com o falso pretexto de proteger o país da “ameaça comunista”, os militares, apoiados pelas elites, pela classe média, Igreja e outros setores da sociedade governaram o país por 20 anos com mãos de ferro, espalhando violência e medo e ceifando vidas inocentes.
Mesmo depois dos militares terem deixado o poder e o país ter voltado à democracia, há ainda muita discórdia na sociedade brasileira em relação ao período da ditadura. Uns tentam justificá-la, outros querem justiça, alguns só querem saber o paradeiro de seus filhos, irmãos e amigos.
A Semana da Anistia promovida, pelo Ministério da Justiça em parceria com Centros Acadêmicos da UnB, é prova viva desta “batalha de memórias” que é hoje travada na sociedade brasileira. 40 anos após a invasão, a pergunta hoje é: por quê?
Os setores conservadores da sociedade vêm a ditadura como um mal necessário, pois se os militares não tivessem assumido o poder como fizeram, os “perigosos terroristas subversivos” fariam uma revolução comunista e implantariam uma ditadura socialista no país. Esses setores consideram os militares “heróis da nação”. São em geral membros da elite econômica e da classe média, que se beneficiaram bastante com a ditadura, especialmente nos anos do “milagre econômico” (o qual relembram com tanto saudosismo). Será que se eles tivessem familiares e amigos entre os desaparecidos teriam a mesma opinião?
Infelizmente a ditadura não foi um período muito feliz para a maioria dos brasileiros. Alienados pela euforia do tricampeonato de futebol de 1970 e pela propaganda ufanista do governo que dizia “o Brasil é o país do futuro”, os verdadeiros autores do milagre, a massa de trabalhadores brasileiros, viu seus esforços serem em vão, pois o milagre se mostrou uma miragem, ao qual se sucedeu a terrível inflação dos anos 70 e 80, enquanto os militares se justificavam dizendo estarem esperando “o bolo crescer para ser repartido”. O que realmente aconteceu foi que o bolo cresceu, os militares e as classes altas o repartiram entre si, e a população ficou apenas com as migalhas, sendo obrigada a enfrentar os duros anos da inflação.
Ainda assim, o dano material não chega aos pés das perdas humanas da ditadura. Não se sabe ao certo quantos foram os mortos entre os desaparecidos, pessoas que eram presas sem mandato, sem direito a julgamento, e torturadas e executada. Mesmo que muitos dos guerrilheiros fossem comunistas e quisessem implantar aqui uma ditadura de esquerda, não justifica os atos terríveis cometidos em nome da “segurança nacional”. Além disso, muitos dos que foram presos, torturados e mortos eram verdadeiros defensores da liberdade e da democracia ou então eram totalmente inocentes. De uma forma ou de outra, o que importa é que todos tiveram o mesmo destino trágico.
Um dos motivos da revisão da Lei da Anistia é justamente a tentativa de reparar os danos desta idade das trevas brasileira, pois a mesma lei que anistiou os perseguidos, anistiou os algozes enquanto ainda tinham o sangue de suas vítimas nas mãos. Não se trata de vingança, mas de justiça!
Mesmo vários anos após a volta da democracia, a ditadura é um capítulo mal resolvido na história do Brasil. È preciso abrir os arquivos que os militares escondem mostrar a verdade (mesmo que essa seja a face dura do mal). É preciso fazer justiça! Se há culpados, que sejam punidos pelos seus crimes! É preciso parar com os eufemismos lingüísticos. O que houve em 64 não foi uma “revolução” e sim um golpe, não foi um “regime militar” e sim uma ditadura, as pessoas não sofreram “maus tratos” e sim tortura e morte!
Acima de tudo, é preciso criar consciência que a ditadura não foi um “acidente de percurso”. Quando os militares deram o golpe, foram apoiados por setores chaves da sociedade e tiveram a conivência da maioria da população. Poucos foram aqueles que tiveram coragem para enfrentar a ditadura de frente (violenta ou pacificamente) e muitos dos que tiveram tal coragem não tiveram a chance de contar sua história. Não podemos mudar o começo, mas temos a capacidade (e a responsabilidade) de mudar o fim. Se temos uma democracia no país não foi por mero acaso, mas sim pelos sacrifícios de muitos brasileiros e brasileiras. Portanto, tenhamos a coragem necessária para honrar todos aqueles que deram seu sangue pela liberdade!
3 comentários:
Muito bom o post. Parabens!
Excelente o post, Guga!
Repassarei para a lista dos estudantes UnB.
P-A-R-A-B-É-N-S!
Abraços,
Danniel Gobbi.
Um verdadeira aula de História!!!
Agora volta com tudo a questão da Anistia Internacional que proteje os torturadores e deixa à merce os torturados sem provas pra buscar informações sobre os desaparecidos.
Uma importante fonte histórica que está sendo , digamos exilada, sendo queimada como foi na Bahia. O Governo atual adiou por mais 20 ou 30 anos a abertura dessa documentação.
A Lei de Anistia precisa ser revisada.
Como sempre, uma aula de História Guga. Adoro ler teus textos , pois comtém informações e a preocupação com os fatos.
Aguardo novo post!
Abraços do Sul!!!
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