"Em uma guerra a primeira baixa é a verdade."
Na noite da última quinta-feira, 17 de março, o Conselho de Segurança das Nações aprovou a Resolução nº 1973, a qual autoriza o uso de "todas as medidas necessárias" para proteger os civis líbios dos ataques do governo do Coronel Muammar Khadaffi. Embora o documento exclua a possibilidade de uma ocupação terrestre do território Líbio por forças estrangeiras, estabelece como principal medida a criação de uma zona de exclusão aérea (no-fly zone) nos territórios controlados por forças rebeldes no leste do país. Horas após a decisão, uma coalizão internacional liderada pro França, Reino Unido e EUA deflagraram a operação Odyssey Dawn (Odisséia da Alvorada) por meio de bombardeios ás forças leais à Khadaffi.
Entretanto, a intervenção armada da coalizão já extrapolou a imposição de uma zona de exclusão aérea. Nas primeiras 24 horas de atuação, intensos bombardeios foram feitos à forças de Khadaffi e à capital Trípoli. Neste período, caças franceses destruíram tanques próximos à cidade de Benghazi, navios e submarinos norte-americanos e britânicos dispararam 110 mísseis de cruzeiro Tomahawk contra 20 alvos (baterias anti-aéreas e estações de radar) e caças-bombardeiros britânicos lançaram mísseis de cruzeiro Storm Shadow contra alvos diversos. Até mesmo os moderníssimos bombardeiros stealth (invisíveis ao radar) B-2 norte-americanos (cada um custando US$2 bilhões) foram usados nos primeiros ataques. O uso de tamanho poderio militar e poder de fogo ultrapassa (e muito) o de uma "intervenção humanitária". O que se passa neste momento na Líbia é uma verdadeira guerra, claramente desigual.
Embora os comandantes militares e dirigentes políticos dos países envolvidos no esforço de guerra continuem afirmando que o objetivo das operações é "proteger os civis líbios de ataques do governo de Khadaffi" e que a deposição ou eliminação do chefe líbio não façam parte dos objetivos da coalizão, os desenvolvimentos recentes dizem o contrário. Mísseis de cruzeiro dos EUA já atingiram prédios do palácio presidencial de Khadaffi na Líbia, e alguns países da coalizão já exigem que o comando da operação passe para a OTAN. Fica cada vez mais claro que o crescente poderio militar ocidental tem um objetivo não-declarado: retirar Muammar Khadaffi do poder à força e minar por completo a capacidade operacional de suas forças.
A criação de uma zona de exclusão aérea se deu com o pretexto de conter os ataques aéreos contra a população Líbia. O emprego de poder militar feito até agora ultrapassa em larga escala tal objetivo. Além disso, o próprio poder aéreo Líbio foi superestimado, visto que os poucos aviões dos quais Khadaffi dispõe são das décadas de 1970 e 1980, estão em mau estado de conservação e cujos pilotos não dispõem de treinamento adequado ou experiência de combate.
O que poderia motivar então tamanha campanha militar por parte das maiores potências ocidentais? Dois objetivos ocultos se escondem por trás da roupagem humanitária da Odissey Dawn. O primeiro é assegurar o fornecimento de petróleo para a Europa, principal comprador do petróleo Líbio. Os conflitos entre rebeldes e as forças de Khadaffi têm se dado nas principais regiões produtoras de petróleo do país, o que tem comprometido o seu fornecimento ao exterior. O segundo motivo é o excedente de armamentos que se dá nos grandes produtores de armas (como os líderes da coalizão) de tempos em tempos. Com a última grande campanha aérea encerrada no fim da invasão do Iraque em 2003, a demanda por armamentos como os que vêem sido utilizados na Líbia despencou, o que permitiu aos EUA e países europeus a acumular grandes quantias desses armamentos. Entretanto, este acúmulo tem o seu limite, que quando alcançado, cria a necessidade de "escoamento da produção excedente" para que a indústria não estanque.
Ou seja, o que estamos vendo não se trata de "proteger civis inocentes de governantes tiranos" e sim de falta de petróleo e de grandes estoques de armas que precisam ser escoados. Isto é o que move o mundo, não preocupações humanitárias ou coisas do tipo. Estas não passam de mera retórica política, que no passado já teve outras roupagens como "combate ao terrorismo", "contenção do comunismo", etc. Se o real interesse fosse mesmo a proteção de civis, teria se decidido enviar uma operação de manutenção de paz a cargo da Liga dos Estados Árabes, da União Africana ou mesmo da própria ONU para conter as hostilidades. Bombardeios em larga escala como os da Odissey Dawn não trazem paz, apenas prolongam e aumentam conflitos.
E porque então os próprios países da Liga Árabe pediram ao Conselho de Segurança que tomasse uma atitude em relação á Líbia, tendo alguns deles inclusive se oferecido para compor a coalizão? Boa parte desses países também estão envoltos em convulsões sociais e políticas semelhantes à da Líbia, Egito e Tunísia. Muito provavelmente estes líderes planejam entregar a cabeça de Khadaffi ao Ocidente para ser feito de exemplo e para evitar que seus próprios países sejam alvos de intervenções semelhantes.
Resta-nos apenas sentar e observar, seja pela TV ou pela internet, o espetáculo da destruição em mais um país distante, onde mais um ditador sanguinário é caçado pelos poderosos que posam de defensores dos inocentes e guardiões da paz para manter os fluxos de petróleo ininterruptos e suas indústrias bélicas quentes como suas armas em combate.
Luiz Gustavo Aversa Franco
Brasília, DF - 22 de março de 2011
Leia mais:
Libya: direct military hits, unclear political targets disponível em www.iiss.org
Combates na Líbia: a questão estratégica disponível em www.forte.jor.br
Detalhes da coalizão contra a Líbia disponível em www.aereo.jor.br
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