Em seu planejamento original, a cidade de Brasília deveria ter, no ano 2000, 500 mil habitantes e a partir daí seria construída a primeira cidade satélite próxima à nova capital. A realidade porém foi bem diferente da prática, pois antes mesmo de Brasília ser inaugurada já haviam cidades satélites no DF e hoje o mesmo conta com uma população de aproximadamente 2,5 milhões de habitantes. É óbvio que em uma cidade como esta graves problemas surgem devido à falta de planejamento, entre eles o problema da falta de moradia.
Pessoas de todo o Brasil vêem para Brasília com a esperança de melhorar de vida, e muitas delas acabam morando em invasões e locais inapropriados e ilegais. Com o aumento da migração de brasileiros de outros estados para Brasília, algumas iniciativas (as vezes de caráter duvidoso) têm sido tomadas para "proteger" os cidadãos originários de Brasília. Entre essas iniciativas, está o projeto de lei do Instituto Geração Brasília, cujo objetivo é reservar 50% de todas as moradias do DF para cidadãos nascidos aqui.
Em carta aberta à sociedade, o presidente de tal entidade afirma que seu projeto não é de caráter xenofóbico e busca apenas a defesa dos interesses dos brasilienses e a afirmação do orgulho de suas origens. Primeiramente, se tal projeto de lei tem como objetivo combater a falta de moradia no DF, é claro que a idéia implícita de seus elaboradores é de que a culpa do crescimento desordenado da cidade é do migrante. Quando os problemas de uma determinada região são tidos como causas de migração, então se tem um caso claro de xenofobia.
É verdade que a situação da moradia no DF é crítica, que até mesmo os brasilienses natos têm dificuldades para encontrar moradia hoje. É verdade que a questão da moradia tem sido encarada de forma politiqueira e eleitoreira e que se criou um sistema de legalização de invasões para angariar votos para determinados partidos e políticos. É verdade que criou-se uma visão de Brasília como "eldorado do Brasil" e que muitos vêm para a cidade na esperança de melhorar de vida. Ainda assim, nada disso justifica a segregação proposta pelo projeto de lei em questão.
E quanto ao planejamento completamente desordenado das cidades satélites, que fez com que hoje centenas de pessoas morem em péssimas condições de vida e sem qualquer infra-estrutura em várias partes do DF? E quanto á especulação imobiliária, que aumenta drasticamente os preços tornando Brasília uma das cidades mais caras do país para se alugar e comprar imóveis? E quanto á grilagem de terras públicas perpetuadas muitas vezes pelos próprios políticos, que prejudica bastante a procura legal por moradia? Tudo isso (e muitos outros fatores não citados aqui) são causas deste problema estrutural do DF, então por que não combatê-los?
Como diz o ditado: "a corda sempre arrebenta do lado mais fraco", e o mesmo se aplica a essa situação. Mais uma vez joga-se a culpa em cima de outrem e a sociedade acaba pagando pela má administração governamental e pelas falhas do mercado. Em vez de se combater as verdadeiras causas dos problemas, culpa-se uma das partes envolvidas que possa ser facilmente segregada (nesse caso os migrantes) e atribua e estes a culpa.
Em termos legais este projeto não pode ser aprovado, pois fere um dos direitos máximos da Constituição: o da igualdade de todos perante a lei. Não se pode simplesmente reservar a uma parcela limitada da população um bem que deve ser ofertado de modo igual a todos. Em termos morais, este projeto é contra a própria natureza de Brasília, pois prega a xenofobia e o preconceito em uma cidade que literalmente se fez e se construiu com base em imigrantes, independente de suas origens. Por fim, um projeto como esse em nada contribui para a exaltação do orgulho dos habitantes de Brasília pela sua cidade. Isto se faz pela educação, pela preservação e ensino das tradições e da cultura , não pela segregação dos migrantes em favor dos originários do local. Iniciativas como tal projeto de lei não passam falsa solução do problema, tentando eliminá-lo da maneira mais fácil e ineficaz, além de ser uma medida com completa ausência de ética para com o cidadão, seja ele brasiliense ou não.
-Site oficial do Instituto Geração Brasília (carta aberta á sociedade): http://www.geracaobrasilia.org.br/2009/index.php?p=destaques/carta
Luiz Gustavo Aversa Franco (nascido e criado em Brasília, orgulhoso de sua cidade e sua cultura)
Brasília, DF - 05 de março de 2009
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