sexta-feira, 27 de julho de 2012

Motociclismo



Em homenagem ao dia de hoje – dia do motociclista – vou escrever um pouco sobre uma das coisas que mais gosto de fazer: andar de moto. Guiar uma moto é muito mais do que uma simples escolha de meio de transporte, é um modo de vida! É o tipo de coisa que só quem vivencia (ou já vivenciou) sabe como é. Posso escrever um artigo inteiro sobre o assunto e, mesmo assim, quem nunca andou de moto não entenderá plenamente a sensação que se tem. Mas, vou tentar do mesmo jeito.

Primeiramente, é preciso esclarecer uma questão de terminologia. Quem é apaixonado por motos e as utiliza como meio de transporte – seja apenas nos fins de semana ou cotidianamente – não é “motoqueiro”, é “motociclista”! Pode parecer frescura, mas não é. O termo motoqueiro é extremamente pejorativo e depreciativo, sendo usado já há algum tempo para designar atitudes negativas daqueles que andam de moto, como as loucuras cometidas pelos motoboys no trânsito das grandes cidades ou a atitude desordeira dos motociclistas de filmes que se metem em brigas de bares e etc. Em suma, chamar um motociclista de motoqueiro é como chamar um homossexual de “viado”.

Vários são os motivos que levam uma pessoa a optar por comprar uma moto e guiá-la. Pode ser por esporte, como uma pelada de fim de semana, ou então uma simples questão financeira (uma vez que, de forma geral, motos são muito mais baratas que carros). Ou mesmo pode ser uma questão de “inteligência”. Afinal é muito mais prático para um homem (ou uma mulher) solteiro que não carrega nada além do que possa colocar em uma mochila andar em uma moto do que um carro. Afinal de contas, uma moto tem muito mais mobilidade e agilidade no trânsito e pode ser estacionada virtualmente em qualquer lugar.

OK, uma moto também tem suas desvantagens. Primeiro, o fato de que o motociclista se vê (muito) mais exposto – e, portanto, vulnerável – aos perigos do trânsito que um motorista. Segundo, o fato de a moto não proteger quem a guia do sol, da chuva, do frio e das demais intempéries. Sim, tudo isso está certo. Entretanto, sendo bastante sincero – e correndo o risco sério de ser mal interpretado –, na minha concepção, não fazer uma coisa (seja por necessidade ou por prazer) pelo simples fato de que há riscos é, talvez, um dos maiores sinais de covardia. É como não viajar der avião pelo medo da queda ou não fazer sexo por medo de pegar uma DST. O vídeo abaixo talvez esclareça um pouco esta questão:


 Em suma, é tudo uma questão de prudência. Não é por acaso que a imensa maioria dos acidentes de trânsito fatais – incluindo aí motos E carros – tem como causa principal a imprudência dos condutores. A solução para este problema – tanto para motociclistas quanto para motoristas – é uma só: instrução. E é justamente aí que está um dos maiores problemas. Quem tira carteira de moto no Brasil sabe o quão ridículo é o “curso de formação”. Basicamente a “prova” se resume a medir sua capacidade de se equilibrar na moto e fazer curvas com a mesma.

Não vou me prolongar nos pontos negativos. Não é esse o propósito deste post. Em vez disso, me dedicarei agora a alguns dos (vários) aspectos positivos do motociclismo. Como eu disse anteriormente, só andando de moto para saber exatamente o que é, mas, se fosse para (tentar) resumir em uma palavra o que se sente ao guiar uma moto eu diria o seguinte: liberdade!

O entusiasmo pelas motos é tão antigo quanto as próprias motos. Mas, boa parte do simbolismo que tem o motociclismo no mundo todo atualmente se deve em grande parte a um fenômeno típico dos EUA no pós-guerra. Após a Segunda Guerra Mundial, os ex-combatentes que voltavam da Europa ou do Pacífico para sua terra natal se viram deslocados em meio a uma sociedade a qual não se sentiam pertencentes. Em meio a um crescente espírito de desajuste social e rebeldia, o entusiasmo pelas motos foi uma das várias facetas da chamada “contracultura”. Os motociclistas da época, cujos maiores expoentes foram sem dúvida os membros do motoclube Hells Angels, se tornaram personificações desse espírito, que, embora tenha evoluído e mudado de lá pra cá, continua sendo um dos cernes do motociclismo.

Esta busca incessante pela liberdade misturada a esse senso de rebeldia é o que diferencia o motociclista de um simples motorista. O verdadeiro motociclista é, acima de tudo, um aventureiro e um desbravador. Ele viaja não para chegar a um destino, mas pela jornada em si. Ele não precisa de uma pilha de malas para tirar férias, leva apenas aquilo que sua moto consegue carregar. Ele não se sente intimidado pela distância, pelo clima ou pelas condições da estrada; muito pelo contrário, tudo isso faz parte da emoção de se guiar. E, por fim, a moto não é simplesmente seu meio de transporte, é sua fiel companheira de viagens!

Espero que tenha conseguido transmitir ao menos um pouco do que significa ser um motociclista, mas reforço mais uma vez o aviso: é uma sensação que somente se compreende quando se vivencia. Por fim, uma pequena “dica” a todos que se deram ao trabalho de ler: se você é motociclista (independente do tipo que seja), antes de mais nada, tenha cuidado! Lembre-se que você está SEMPRE em desvantagem no trânsito e que qualquer imprudência de sua parte pode te custar (muito caro); e se você não é motociclista, seja civilizado e respeite aqueles que dividem as ruas contigo, sejam eles motociclistas, ciclistas, pedestres, etc, lembre-se que eles não dispõem de sua “armadura” de quatro rodas.

Como diria um famoso personagem do cinema: "ride hard, or stay home!"

 

domingo, 8 de julho de 2012

O UFC e os pequenos monstros dentro de cada um de nós


O quê torna esta cena cada vez mais atraente?


Dentre as diversas modalidades esportivas existentes, a que mais cresce atualmente em termos de audiência no Brasil é o chamado MMA, sigla para Mixed Martial Arts (Artes Marciais Mistas em inglês), mais especificamente o torneio intitulado UFC (Ultimate Fighting Championship). Na teoria, é uma competição na qual lutadores divididos por categorias de peso se enfrentam dentro de um ringue em forma octógono utilizando-se de diversas técnicas das mais variadas artes marciais, incluindo socos, chutes, cotoveladas, joelhadas, agarrões e luta no solo. Na prática trata-se mais de dois caras de sunguinha que passam a maior parte do tempo se agarrando quase pornograficamente em uma evolução (muito) bizarra do boxe.

Agora que você já sabe do que estou falando e qual é minha opinião a respeito, vamos sair do octógono e pular para a platéia, que consegue ser mais aloprada efusiva que as mais fanáticas torcidas organizadas de futebol. Basta observar o tamanho do público no local da luta e nos respectivos bares e afins que transmitem as mesmas. Lembro-me de estar em um bar com alguns amigos uma vez e ter testemunhado o “espetáculo” que é o público do UFC. Um simples nocaute gerou mais comoção (o bar quase veio abaixo) que qualquer comemoração de gol que eu me lembro (e estamos no Brasil!). Uma experiência dessas associada com uma observação minimamente superficial da cobertura destas lutas – vejam o estardalhaço que fizeram por conta da última luta do Anderson Silva – já te faz perceber a magnitude que o UFC alcançou em meio ao público brasileiro. E a pergunta que me faço aqui é: por quê? Como o Brasil do futebol e da seleção, o Brasil de Ayrton Senna e das corridas de F-1 virou o Brasil do UFC e das pancadarias de Anderson Silva e companhia?

A resposta é bem complexa e contém vários fatores. Um deles – talvez o mais perceptível – seja a quantidade de dinheiro injetado nos eventos e nos lutadores que deles participam (vejam quais marcas patrocinam o UFC e o Anderson Silva, por exemplo). Mas há algo de podre no reino do MMA, algo que jaz na própria lógica do evento e na própria essência do seu público...

O fato é que hoje os seres humanos do século XXI se entusiasmam com o UFC pelo mesmo motivo que a plebe da Roma Antiga lotava as arenas de gladiadores: nós, seres humanos, gostamos de violência! Sem hipocrisia e falso moralismo aqui, por favor, ninguém assiste UFC e afins por causa da qualidade técnica dos lutadores ou pela atmosfera da competição (se fosse assim o Judô e o Taekwondo seriam tão populares nas Olimpíadas quanto o futebol e o vôlei). Não importa quem sejam os lutadores, onde sejam as lutas ou como as mesmas se desenrolam, o que importa é ver sangue no chão do octógono!

Entretanto, por mais (aparentemente) desprezível que seja esse gosto por sangue do ser humano, isto nada mais é do que mais um elemento da sua natureza, assim como o gosto por comida, bebida e sexo. Sim, o ser humano – nós mesmos – somos predadores por natureza. Se não fôssemos não teríamos nos tornado a espécie dominante no planeta Terra e nosso progresso material não se basearia (em sua maior parte) na evolução de nossa capacidade de matarmos uns aos outros. Mesmo que a humanidade tenha evoluído muito dos tempos de Cristo para cá, continuamos tendo este nosso pequeno lado negro, nosso passageiro sombrio, que tem um gosto especial por ver violência, sangue e a submissão do mais fraco pelo mais forte.

Está em nossa natureza, em nossos genes. Quem trabalha com armas de fogo (ou ao menos já teve a experiência de dar uns tiros) sabe como é bom disparar um gatilho. Não é exagero dizer que, ao menos para os homens, atirar é quase tão prazeroso quanto o próprio sexo – inclusive é comum ter uma ereção quando se atira pela primeira vez. E é por isso que a vitória de Anderson Silva no último UFC foi tão acompanhada e festejada quanto a conquista da Libertadores pelo Corinthians.

Mas não para por aí. Nem a nossa natureza nem a natureza das artes marciais milenares que “deram origem” ao UFC é tão simplista. Quando Thomas Hobbes disse que “o homem é o lobo do próprio homem” ele não estava errado, mas também não estava totalmente certo. Se Hobbes retrata o lado mais negativo da natureza humana, outro famoso filósofo fez o maior contraponto possível algumas décadas mais tarde. Jean-Jacques Rousseau, em contraposição à Hobbes, defendia a tese do “bom selvagem”, ou seja, o ser humano nasce bom e o convívio em sociedade o corrompe. Cada um deles utilizou-se dos respectivos argumentos para defender suas idéias acerca de um formato específico de Estado (o “Leviatã” em Hobbes e o “Contrato Social” em Rousseau). A realidade do ser humana, a meu ver, é muito mais próxima do meio termo.

“O bem e o mal convivem dentro de você” era a chamada de uma propaganda de desodorantes há alguns anos atrás. Por mais simplória que pareça, a verdade é bem por aí. Da mesma forma que somos capazes de agir bestialmente em situações de estresse extremo – como aquele famosos caso de uma atropelamento múltiplo de bicicletas em Porto Alegre – também somos dotados de compaixão e altruísmo impressionantes. Basta observar estas pequenas noticiais ocasionais que não conseguem mais que um pequeno espaço no canto do jornal (ou da página do portal de notícias) sobre pessoas comuns que cometem atos extraordinários e se arriscam para salvar outras pessoas – como um pequeno grupo de homens que carregaram uma mulher paraplégica dezenas de andares de escadas abaixo de uma das torres do WTC no 11/09.

Chega a ser paradoxal a existência simultânea destes dois lados da personalidade humana: ao mesmo tempo em que somos capazes de nos destruirmos – e temos gosto em ver-nos matando uns aos outros – também conseguimos nos arriscar por pessoas que nem conhecemos. Agimos ao mesmo tempo em prol e contra a preservação de nossa própria espécie...

Por fim, não se recrimine por gostar de UFC. Você somente está apenas respondendo a um estímulo natural de seu corpo – da mesma forma que sentimos fome ao vermos um belo prato de comida, ficamos com sede ao vermos uma boa bebida e ficamos excitados quando vemos uma mulher (ou um homem) em uma pose sensual. E também não recrimine os praticantes de MMA. Da mesma forma que a prática das artes marciais ensina a utilizar nosso corpo para fins violentos, o verdadeiro Caminho das artes marciais nos ensina quando se utilizar de tais fins. Basta conversar com um professor (sério!) de qualquer arte marcial. As artes marciais sempre se embasam em uma série de princípios morais que afirmam explicitamente que as mesmas jamais devem ser utilizadas para fins violentos – como arrebentar outro ser humano apenas para diversão – e que devemos trabalhar sempre para conter nosso espírito de agressão – esse nosso passageiro sombrio que anseia matar qualquer coisa que respire.

Portanto, quando você estiver em um bar lotado ou na casa de um amigo única e exclusivamente para ver mais uma edição do UFC, não se engane: tanto o que é mostrado na TV quanto a reação do público são pequenas demonstrações do que há de pior no ser humano. Mas lembre-se também que, da mesma forma que o MMA é apenas uma pequena (e distorcida) fração do universo das artes marciais, nosso pequeno lado negro sedento de sangue é apenas um dos vários traços de nossa natureza complexa...

domingo, 1 de julho de 2012

Da Terra Média para Westeros: como a leitura de As Crônicas de Gelo e Fogo tem mudado minha visão de mundo


ATENÇÃO: CONTÉM SPOILERS!

Como todo nerd que se preze, tive contato com O Senhor dos Anéis durante minha adolescência. Nem preciso dizer que a magistral obra de J. R. R. Tolkien afetou profundamente o modo como via - e ainda vejo - várias coisas, não é? Entretanto, à medida que se envelhece/amadurece começamos a perceber que o mundo real é muito pouco parecido com a Terra Média e que a história sobre o Um Anel é muito mais parecida com um conto de fadas que com as histórias de nosso próprio mundo real. Eis que alguns anos após meu primeiro contato com a obra de Tolkien, conheci outra saga épica que, ao que tudo indica, pode realmente rivalizar com o mítico Senhor dos Anéis. Estou falando de As Crônicas de Gelo – mais conhecida como Game of Thrones, nome da adaptação para a TV produzida pela HBO – de George R. R. Martin. Antes que você se pergunte – porque eu sei que você já está se perguntando – este texto não é mais uma daquelas tentativas imbecis infrutíferas de dizer que um é melhor que o outro ou coisa do tipo. A questão aqui é mostrar como cada história retrata o seu respectivo mundo e como isto afeta a própria visão de mundo do leitor que se vê envolvido pela história.

A história de Tolkien se passa num mundo chamado Terra Média, habitado por homens, elfos, anões, hobbits, orcs e monstros de todo o tipo. À sua própria maneira, O Senhor dos Anéis é um conto de fadas, uma inspiradora história sobre uma grande guerra na qual há uma distinção clara entre heróis e vilões, entre o bem e o mal. É um quadro em preto e branco, onde cada figura se encaixa claramente em um dos lados. Já a saga em construção de George R. R. Martin retrata as disputas pelo poder no reino de Westeros, um mundo povoado por personagens densos e complexos e onde realidade histórica e fantasia se misturam. Aqui, além da guerra, está sempre presente a incessante disputa por poder entre diferentes partes, sem que se possa distinguir claramente os heróis dos vilões – se é que eles existem como tais. O quadro retratado por Martin é cinzento, as figuras são disformes e móveis e tudo está em variados tons de cinza.


Boromir (Senhor dos Anéis) e Eddard Stark (Game of Thrones), interpretados pelo ator inglês Sean Bean. Personagens diferentes em mundos diferentes com algo mais em comum além do ator.


Embora sejam histórias bastante diferentes, ambas têm algumas semelhanças (começando pelas iniciais do meio de seus respectivos autores). Ambas são histórias fantasiosas que refletem, em maior ou menor medida e cada uma à sua maneira, acontecimentos do mundo real. Ambas têm uma temática medieval, histórias e tramas densas e personagens marcantes, que despertam o amor ou o ódio dos leitores. Porém, as semelhanças (pelo menos as mais importantes) param aqui. E são justamente as (enormes) diferenças que chamam a atenção...

Não vou entrar em detalhes desnecessários a fim de não prolongar demasiadamente o texto, mas vale lembrar, antes de tudo, que cada uma das obras foi escrita por autores completamente diferentes e em momentos e contextos históricos totalmente distintos. Tolkien, de nacionalidade inglesa, escreveu sua obra em plena Segunda Guerra Mundial, enquanto que Martin, norte-americano, começou a escrever sua saga nos anos 1990 – e ainda não a concluiu. E isto e apenas o começo...

[SPOILER] Em O Senhor dos Anéis, a guerra dos povos livres da Terra Media contra o Senhor do Escuro Sauron termina com a vitoria dos heróis, belíssimos casamentos – do tipo daqueles que toda garota sonha em ter – e comoventes reuniões de amigos. Só faltou o “e foram felizes para sempre”. Em As Crônicas de Gelo e Fogo – ou pelo menos ate onde eu li – uma sucessão de rebeliões e crises de sucessão ao trono de Westeros coloca algumas das principais casas (famílias) nobres do reino umas contra as outras. Aqui, nem todos os heróis são vitoriosos – muito pelo contrario, alguns dos personagens mais admiráveis em termos de caráter são justamente os que se dão pior – astúcia e falta de escrúpulos sobrepujam a honra e a justiça e as traições são freqüentes e, na maioria dos casos, impunes. Qualquer semelhança com o mundo real é “mera coincidência”.

Para bom entendedor, meia palavra basta. Portanto se você é razoavelmente sagaz já percebeu onde quero chegar, certo? Pois bem, é isso mesmo...

Diferentemente da Guerra do Anel – que lembra muito a Segunda Guerra Mundial e um pouco a Guerra Fria – retratada por Tolkien, as guerras do mundo de Martin se parecem mais com as eleições do Brasil – sim, a canalhice lá corre solta! Começa que, diferentemente de O Senhor dos Anéis, As Crônicas de Gelo e Fogo são contadas por personagens que se encontram em ambos – ou melhor, em TODOS – os lados da historia (a situação é tão complexa que é difícil estabelecer apenas dois lados), e a situação dos mesmos nem sempre é a mesma. Alguns personagens que começam como vilões odiosos se tornam menos “maus” depois de um tempo e passam a se mostrar mais como “pessoas comuns”. Outros personagens claramente retratados como heróis são corrompidos – ou ao menos mudados – pelo poder imbuído nos cargos que assumem. Casais se separam, famílias são destruídas, crianças inocentes passam a matar para sobreviver. Enfim, todo tipo de desgraça que não acontece na Terra Media acontece em Westeros. E é justamente aí que jaz a maior qualidade da saga de Martin, pois por mais fantasiosa que seja sua historia, seu mundo e os personagens que o povoam são bastante reais (às vezes até demais). E é justamente aqui que quero chegar...

Quando somos jovens sonhamos em viver na Terra Media e acreditamos que nossas vidas serão como a dos personagens de O Senhor dos Anéis. Ou seja, mesmo que lutemos em grandes guerras e enfrentemos enormes desafios e inimigos terríveis, ao final de tudo casaremos com o amor de nossas vidas, voltaremos para nossas casas, festejaremos com nossos amigos e seremos felizes para sempre. As Crônicas de Gelo e Fogo representam, nesse sentindo, o choque de realidade perfeito, mostrando que coisas ruins acontecem às pessoas de bem sim – muito mais do que gostaríamos. Não basta sermos boas pessoas, termos uma atitude correta e sermos fiéis aos nossos amigos, pois o mundo real – assim como Westeros – está cheio de leões, lobos, lulas gigantes, dragões e coisas piores. [SPOILER] Enquanto em O Senhor dos Anéis Aragorn enfrenta abertamente o terrível Sauron e consegue não somente reclamar o trono de Gondor como também casar com seu grande amor, em As Crônicas de Gelo e Fogo, o honorável Eddard Stark – cuja honra e retidão são comparáveis ao mais exemplar dos samurais – mantém-se fiel aos seus amigos, sua família e seus princípios, apenas para ser traído por alguém em quem confiou, ser acusado (falsamente) de traição e ser decapitado – pela própria espada ainda por cima! – por um crime que não cometeu. Nada sintetiza mais a dura realidade (real) de Westeros que a icônica frase de Cersei Lannister – uma das personagens mais odiáveis da saga – “no jogo dos tronos ou se ganha ou se morre, não há meio termo.”

Por fim, antes que eu seja taxado de sujeito amargurado e de pobre diabo, permita-me delinear uma breve conclusão (parcial). Embora admire o realismo nu e cru de Martin isto não quer dizer que eu tenha jogado fora minha cópia de O Senhor dos Anéis e que tenha passado a achá-lo um lixo infantil. Muito pelo contrário, meu gosto pelo mesmo se mantém inabalado. O que quero dizer é que os rumos da história desenhada por Martin – pelo menos até aqui – nos mostram que, independentemente da qualidade de nosso caráter e de nossos princípios morais, se não soubermos jogar o jogo dos tronos – ou o jogo da vida – podemos acabar tendo um fim totalmente diferente dos personagens de Tolkien. Enfim, sejam honestos e corretos como Aragorn e Eddard Stark, mas tomem cuidado, pois nem todos que nos rodeiam são como Gandalf.