terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa: o UFC e as artes marciais

Nos últimos anos e, mais especificamente nos últimos meses, uma competição de grandes proporções tem se tornado foco de atenção cada vez maior dos brasileiros: o Ultimate Fighting Championship, mais conhecido pela famigerada sigla UFC. Em suma, é uma luta entre dois competidores onde vale (quase) tudo. O UFC popularizou bastante a modalidade esportiva conhecida como MMA, sigla pra Artes Marciais Mistas em inglês. Os fãs e entusiastas destas competições dizem que são grandes duelos entre lutadores especializados em várias "artes marciais" que usam de técnica, força e astúcia para dobrar seus adversários. Eu digo que não passa de uma brutalidade sem fim e sem propósito, simples violência barata cujo único objetivo é entreter uma multidão sedente de sangue, algo muito próximo de uma versão moderna das lutas de gladiadores da Roma antiga.

Após este breve parágrafo introdutório imagino que muitos estarão me xingando e afirmando que não passo de um nerd gordo que passa o dia todo na frente do computador e que nada sabe sobre artes marciais. Para aqueles que acham isso, sinto desapontá-los, mas não estou acima do peso e, apesar de ser fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, heavy metal e outras coisas nerds, tenho mais de seis anos de prática de Karatê Shotokan nas costas (isso não me faz um especialista, muito pelo contrário, mas acho, humildemente, que tenho um mínimo de conhecimento sobre artes marciais). Agora que já me "apresentei", permita-me apresentar o propósito deste post: esclarecer alguns equívocos acerca do assunto em questão. Falar de artes marciais é tão fácil quanto discutir religião, política e futebol. Vários mestres (especialistas de verdade, muito mais experientes e sábios que eu) já escreveram vários livros sobre o assunto e até hoje discutem questões relativas ao mesmo, portanto não sou tolo de achar que estas poucas linhas que escrevo serão o suficiente para encerrar o assunto. Vou tratar apenas alguns poucos pontos específicos nos quais busco mostrar porque UFC, MMA e afins NÃO podem (nem devem!) ser chamados de "artes marciais".

Pra começar, vou citar as palavras do mestre Gichin Funakoshi, fundador do estilo Shotokan de Karatê e considerado "pai do moderno Karatê-dô":
"o fator mais importante na arte do Karatê não está baseado na vitória ou na derrota, mas no aperfeiçoamento do caráter dos seus participantes"
Agora, por favor me respondam amigos entusiastas de UFC/MMA: de que forma a prática de colocar dois marmanjos com shortinhos pregados nos documentos se agarrando e se quebrando dentro de um octógono contribui para o aperfeiçoamento do  caráter dos mesmos?!? Pois bem...

Não, não estou questionando a qualidade técnica, a força física, a habilidade ou qualquer outro atributo semelhante dos lutadores de UFC/MMA. Questiono apenas o seu propósito. Nunca, jamais confundam "arte marcial" com uma simples luta! Galos de rinha lutam. Moleques de escola lutam. Bêbados num bar lutam. Ainda assim, nenhum deles é sequer algo próximo de um artista marcial. Existe uma enorme diferença entre brawlers (brigões, em inglês) e fighters (guerreiros).  Os espartanos na Grécia antiga, os cavaleiros da Idade Média, os samurais do Japão feudal, todos estes são belos exemplos de guerreiros. Os lutadores de UFC/MMA estão mais para brigões.

Agora, se você acha que eu estou falando besteiras inventadas e que tudo isto não tem o menor fundamento, vamos um pouco mais a fundo. O termo "arte marcial" em japonês é melhor traduzido como budô. Esta palavra é formada por dois caracteres (kanjis): 武道. O segundo kanj significa "meio" ou "caminho", e está presente na escrita japonesa de várias modalidades de artes marciais, como Judô, Kendô e Karatê-dô. O primeiro kanji por sua vez é formado pela união de dois kanjis: "parar" ()e "alabardas"(- arma semelhante a uma lança). Conclui-se que a união destes dois caracteres tem como significado "parar a alabarda". Portanto, a verdadeira arte marcial não fomenta a luta, mas sim a impede. A verdadeira arte marcial somente deve ser usada em último caso, quando não há outro recurso disponível a não ser a auto-defesa por meios físicos para preservação da integridade física.

Se você gosta ou não de UFC/MMA isso não me interessa. Cada um gosta do que quiser e ninguém tem nada a ver com isso. Apenas não vá cometer equívocos e "chamar urubu de meu louro", ok?

Ainda tenho o que falar sobre o assunto, mas vou deixá-lo para posts posteriores.

押忍
OSS!!

2 comentários:

Márcio Campos disse...

Um tema interessante, porém acho que o Sr. se esforçou demais em defender um ponto de vista que, ao meu ver, tornou-se um pouco equivocado.

De fato, ir para uma academia praticar MMA, não pode ser considerado uma arte marcial. No entanto, existem verdadeiros guerreiros, artistas marciais, lutando em MMAs (como por exemplo, Lioto Machida, filho e aluno do mestre Machida, profundo conhecedor do Karate-do). Um treino de MMA, dado por um mestre de duas ou mais artes marciais, não é uma arte marcial?

O octógono representa um espaço onde a técnica da luta pode ser testada. Um verdadeiro samurai não precisa testar sua espada, mas não hesitará em usá-la.

Proponho um desafio: suba em um ringue, contra um lutador de MMA. Após essa experiência, me diga o que aquilo significou pra você. Seu sangue irá correr quente, e seu coração irá acelerar. O espírito de um verdadeiro guerreiro é ativado ali dentro, não tenha dúvidas disso.

Existem aventureiros e brigões ali dentro? Sim. Mas não cometa o erro de generalizar.

Abraços, do seu amigo.

Márcio Campos

Luiz Gustavo Aversa Franco disse...

Comentário e questionamento extremamente válidos, meu caro Márcio!

Com certeza homens como Lyoto Machida têm uma compreensão muito mais ampla e profunda das artes marciais que muitos outros lutadores de MMA. Ainda assim, de forma geral, me parece que muitos que entram no octógono são mais brigões do que guerreiros.

Entendo que o treinamento de MMA, abarcando técnicas de duas ou três artes faz parte de um treinamento em artes marciais. Porém, ao meu ver, ainda é limitado, e não abarca o sentido mais amplo da arte.

Confesso que já tive curiosidade de experimentar a experiência de participar de uma competição de MMA, mas nunca me animei a ponto de procurá-la, me inscrever e etc. Mas com certeza deve ser uma experiência válida...

Um grande abraço, caro amigo!
OSS!!